O mestre sala dos mares
O texto que iremos publicar foi escrito por Carlos Roberto da Costa Leite, coordenador do setor de imprensa do Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa. Este texto foi publicado pelo jornal "Correio do Povo", na última segunda-feira de carnaval. Como os leitores poderão perceber, o texto faz uma análise bastante interessante do carnaval a partir de um samba enredo de 1973 que contava a história de João Cândido Felisberto, o Almirante Negro. Vale a pena comentar que nosso setor já levou para o Museu de Comunicação uma exposição, que entre outras coisas, falava sobre João Candido. Tratava-se da exposição "ViDHas" que, inclusive, encontra-se aberta para novos agendamentos em 2013. Fica o convite para a leitura do texto e para os comentários de nossos visitantes.
O mestre-sala dos mares
Carlos Roberto da Costa Leite*
A abolição da escravatura
(1888) ocorreu sem inclusão social, restando aos libertos a pobreza, o
subemprego e o estigma de 400 anos de escravidão. Este quadro
excludente, o historiador Décio Freitas (1922-2004) conceituou de Brasil
inconcluso.
Em nosso país, entre outras contribuições, o samba se constitui
numa herança musical do negro, representando uma das formas da sua
resistência cultural. O samba 'O Mestre-Sala dos Mares' (1975), de João
Bosco e Aldir Blanc, é um relicário desse gênero musical, cuja letra foi
censurada no regime militar (1964-1985) por trazer a público a figura
de João Cândido Felisberto, o Almirante Negro, personagem que a história
oficial soterrou nos porões da memória nacional. Entre outras
alterações na letra, destacam-se a substituição de marinheiro por
feiticeiro e navegante no lugar de almirante.
Neste momento, no qual o país vivencia o Carnaval, nada mais justo
que nos lembremos do samba que evoca João Cândido. Essa composição
poderia, também, ser batizada com o título de 'Mestre-Sala da
Liberdade', devido à sua luta contra a opressão, a injustiça e o
desrespeito à dignidade humana. Na escola de samba, o mestre-sala
corteja e protege a porta-bandeira. No caso do Almirante Negro, ele
defendeu a porta-bandeira da liberdade no bailar das águas.
O 'mestre-sala dos mares' nasceu em Encruzilhada no RS, em
24/6/1880. Filho dos ex-escravos João Felisberto e Inácia Cândido
Felisberto, serviu na Marinha do Brasil durante 15 anos.
À
noite, em 22/11/1910, eclodiu, no Rio de Janeiro, a Revolta da Chibata,
devido aos castigos corporais sofridos pelos marujos. Após Marcelino
Menezes ter sido punido com 250 chibatadas, no encouraçado Minas Gerais,
a marujada, composta por 90% de negros pobres, rebelou-se liderada pelo
Almirante Negro. O motim se estendeu a outros navios, sendo seus
comandantes destituídos.
Cerca de 2.300 homens comandaram os navios de guerra, direcionando
mais de 80 canhões para o Palácio do Catete. Além da anistia, os marujos
exigiam o fim dos castigos, aumento do soldo e redução da carga
horária. Em 25/11/1910, o presidente Hermes da Fonseca (1855-1923) lhes
deu anistia, porém, três dias depois, decretou as expulsões da Marinha e
prisões. Os marujos, após devolverem os navios aos oficiais, foram
surpreendidos: haviam sido traídos.
Acusados de um segundo levante, 18 líderes foram presos na
solitária do quartel da Ilha das Cobras. O Almirante Negro e outro
marujo sobreviveram, os outros 16 morreram sufocados, devido à
evaporação da cal misturada à água para lavar o local.
Em 1911, o Almirante Negro foi internado como louco. Ao obter alta,
retornou para a prisão da Ilha das Cobras, saindo em 1912. Viveu o resto
da vida pobre, como estivador e vendedor de peixe na praça XV do Rio de
Janeiro. Casou-se três vezes e teve 11 filhos. Faleceu, aos 89 anos, em
6/12/1969, vítima de câncer. Porto Alegre presta homenagem a João
Cândido no parque Marinha do Brasil por meio de um busto criado por
Vasco Prado (1914-1998). Essa é uma réplica de outro que se encontra na
tradicional Sociedade Floresta Aurora, fundada em 1872 por negros
alforriados.
Coordenador do setor de imprensa do Musecom